quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Suleman


“This is Suleman. He will be our monkey for today”, diz Abraham, apontando para um rapaz alto, magro, de pele escura e brilhante.
Considerei-o durante alguns segundos, tentando abstrair-me do comentário grosseiro do nosso guia. Era muito jovem (14 anos, soube mais tarde) e vestia jeans brancos e uma t-shirt amarela dos Led Zeppelin.
Suleman acompanhou-nos durante toda a visita à plantação, sempre num silêncio respeitoso e tímido. A sua função era a de colher espécimes de especiarias e frutos. Colocava-as nas cornucópias que cada uma de nós levava nas mãos em jeito de cesto de compras, e que ele fizera a partir de folhas de bananeira.
Este pequeno objecto era apenas uma amostra do que as suas jovens mãos conseguiam extrair dos recursos que tinha à volta. Antes de a visita terminar, o seu talento produzira óculos (ramas de ananás), colares (folhas e flores de mandioca), pulseiras, chapéus e ainda os saquinhos onde colocámos as especiarias vendidas na improvisada jungle boutique.
Calhou ser ele a escoltar-me de volta ao Jeep onde fui buscar mais rebuçados para a pequenada que por ali andava. No regresso, perguntou-me:
- Quantas línguas falas?
Respondi-lhe.
– E tu?, continuei.
- Inglês, francês, alemão, espanhol, italiano e um bocadinho de holandês, disse orgulhoso.
- Quem te ensinou isso tudo?!!
- Os turistas.
- E, não vais à escola?
Encolhe os ombros:
- Hoje não há….
No fim da visita, cabe-lhe a ele cortar os bocadinhos de fruta que nos dão a provar. Com um olhar de desafio, Sule apresenta cada fruta nova numa língua diferente. Vou-lhe respondendo “muito bem” na língua apropriada e, de repente, é como se estivesse de volta a casa a ensinar a minha sobrinha.


Estou sozinha à espera que o resto das meninas acabe as compras.
Sule senta-se ao meu lado e, continuando ocupado a tecer uma folha de bananeira, pergunta, baixinho:
- Mama, siete contenta?
A pergunta deixa-me desconcertada. Em suaíli a palavra “mama” significa senhora e não mãe, mas foi dita com um tal carinho, que me emocionei.
De facto, este rapaz poderia bem ser meu filho...

Zanzibar, 2009

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Mzungu, sou eu!


A menina abre a porta e, ao ver-nos passar, lança um grito de alarme e de espanto.

- Mzungu! Mzungu!

Não tem mais de três anos, usa um vestido com folhos e está visivelmente excitada. Aponta para nós, de olhos muito abertos, como se estivesse a ver extra -terrestres.
E nós, claro, rimos deliciadas com a ternura da cena.
A mãe acode ao chamamento, aflita, mas a sua expressão suaviza-se ao ver-nos. Com um sorriso tranquilo e divertido, pega na filha ao colo e aproxima-se de nós, aceitando os rebuçados que lhe damos.
Não é a primeira vez que por aqui se referem a nós desta maneira. Sabemos que mzungu significa “pessoa branca” em suhaili.
O que eu desconhecia era a origem da palavra. Descobri-a há dias na internet.
A palavra mzungu tem raiz no verbo zunguka, que significa "rodar, girar, andar por todo o lado".
Não fiquei surpreendida por aprender que a palavra foi originalmente aplicada aos portugueses, pois então!! Foram dos primeiros estrangeiros brancos a pisar Zanzibar, e … fartavam-se de girar por todo o lado.

Parece que a menina acertou duplamente ao chamar-nos mzungus!!


Foto: Muhipiti. Zanzibar, 2009

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Abraham no Pais das Especiarias


Fomos descobrir porque é que Zanzibar é conhecida como a “Spice Island”.

A 20 Km de Stone Town, ao fundo de uma estrada de terra batida, fica a plantação que vamos visitar. Altos coqueiros e bananeiras centenárias fornecem sombra a plantas e árvores de todas as espécies e a cabanas de adobe, à volta das quais algumas galinhas debicam o chão vermelho.

Connosco está Abraham, o nosso guia desde a chegada. Tem 37 anos e é com orgulho que tem escoltado estas quatro beldades (ainda que seja eu a dizê-lo) pela sua ilha. Creio que se sente um dos sultões polígamos que por vários séculos governaram Zanzibar.
É simpático, mas tem um sentido de humor um pouco … digamos …. apatetado. Já nos temos fartado de rir com algumas das suas tiradas. Lembro-me, por exemplo, de me ter dito que gostava de casar-se com uma mulher branca, mas que a mãe não aprovaria, pois as brancas são muito refilonas…. Ou daquela vez que depois de nos ter perguntado a que horas queríamos começar a excursão do dia seguinte e de termos respondido que às 10, afirmou que tínhamos mesmo de sair às 9h ou não teríamos tempo de ver tudo!!!....
Mas, hoje Abraham está muito concentrado no seu papel de professor. Diz que vai testar os nossos conhecimentos sobre o mundo vegetal que nos rodeia.
- What is this plant?, pergunta, apelando à nossa visão, tacto e olfacto.
Todas nós já visitámos plantações semelhantes a esta noutras partes do mundo e saímo-nos na perfeição no que toca à baunilha, pimenta, café, noz-moscada, anis, mandioca, gengibre, jaca e citronella.
No entanto, há espécies que nunca víramos, como as árvores do quinino e do iodo ou a planta de cujo pó as zanzibaritas extraem o baton. Também desconhecíamos (pelo menos eu) que o cravinho nasce numa árvore; que da árvore da canela se extrai a essência do Vick vapour rub (lembram-se?), e que os vários tipos de pimenta se obtêm a partir do mesmo bago.
O corpo já roliço do nosso sultão ficou ainda mais inchado quando lhe pedimos para repetir a explicação para que o pudéssemos filmar. Com uma jaca na mão, em jeito de microfone, e lançando olhares furtivos aos outros guias que o observavam trocistas, Abraham lá foi debitando:
“A pimenta fica verde se o bago for seco à sombra e preta se seco ao sol. A pimenta branca resulta de um bago demolhado, pelado e seco à sombra e a vermelha de um bago demolhado e seco ao sol.”
Para o fim, como pièce de résistance, ficou a subida ao coqueiro. Um rapaz com cerca de 18 anos começa a subir com a ajuda de apenas uma corda onde apoia os pés. O resto é pura força muscular, paixão e anos de prática. Os miúdos começam a subir aos coqueiros desde os 4 anos e param aos 25, idade a partir da qual se torna mais difícil sarar as fracturas frequentes.
Abraham parece um pouco perturbado com o nosso entusiasmo perante tal espectáculo (que já chegou ao Youtube).
- Oh, he is just showing-off… - murmura, amuado, enquanto a voz do rapaz faz ecoar pela selva de especiarias a tradicional canção “Jambo Bwana”.


Fotos: MLee e Muhipiti. Zanzibar, 2009