terça-feira, 29 de março de 2011

Hospital para Animais

"The greatness of a nation and its moral progress can be judged by the way its animals are treated”
Mohandas K. Ghandi
Uma espécie de edifício destaca-se na paisagem, quebrando a monotonia pálida e seca do deserto do Rajastão.
Harpal, o nosso motorista, encosta o carro à berma, provocando uma nuvem de pó. É através dela, e ainda dentro do carro, que tento perceber o que tenho à minha frente. Algumas vacas ossudas estão estacionadas à sombra de uma estrutura que apenas pode gabar-se de possuir um tecto assente em esqueléticos pilares metálicos. Umas estão deitadas, outras estão de pé. Todas parecem estar à espera de algo, mas tal como os seus compatriotas humanos, sem grandes expectativas e com total indiferença.
A minha primeira impressão é de que se trata de um mercado a céu quase aberto.

Como sempre, Harpal vem abrir a porta do jeep para que possamos sair. Só que, desta vez, o seu rosto não está aberto num sorriso, mas sim contraído numa expressão de dúvida, como se estivesse perdido na sua memória à procura de alguma coisa.

- Hospital!, diz ao fim de alguns segundos. E o seu olhar volta a brilhar.

Confesso que não era a palavra de que estava à espera, mas revela-se a chave para descodificar o que estou a ver.
Então reparo que todas as vacas têm alguma parte do corpo enfaixada, principalmente pernas e chifres.
Um pouco afastadas, do nosso lado direito, vejo agora umas jaulas. Aproximo-me e constato que os seus habitantes são coelhos, pombos e veados, cada um sofrendo de alguma maleita do corpo e, ouso dizê-lo face aos seus olhares tristes, da alma.

A ambulância, que agora observo do outro lado da rua, recolhe animais atropelados num raio de 40 Km e trá-los para aqui a fim de receberem os cuidados médicos adequados. 

Na maioria dos casos, são os próprios culpados que chamam a ambulância. Cabe-lhes suportarem os custos dos tratamentos e são obrigados a irem a tribunal. As penas chegam a ser de três anos de prisão, nos casos mais graves, em que é provocada a morte do animal. Matar um veado é particularmente ofensivo, já que este representa uma das incarnações de Budha.

Fotos: Muhipiti. Índia, 2010

quarta-feira, 2 de março de 2011

Índia na bruma

Esta noite sonhei que estava na Índia outra vez...


Não é verdade. Esta noite tive uma insónia horrível. Igual às que tantas vezes me mantinham acordada na Índia, ouvinte forçada dos concertos nocturnos: um cão uivando em Delhi, o arrulhar dos pombos em Mandawa, os fogos-de-artifício do Diwali, o restolhar misterioso e excitante da selva de Rathambore.


Se tivesse dormido e se tivesse sonhado com a Índia, vê-la-ia, certamente, como a vi na realidade: dissimulada na neblina, nunca se revelando na totalidade; uma promessa de exotismo e encanto que não se chega a cumprir. Senti-la-ia agora como a senti então; como a descreve Morávia: “[...] do mesmo modo que se sente, no escuro, a presença de alguém que não se vê, que guarda silêncio, no entanto está lá.”

Fotos: Muhipiti. Jodhpur e Agra. Índia, 2010.