O eco da Índia de Moravía (1961) chega aos nossos dias (2010), ilustrado por Muhipiti.
“A Índia é um conceito da vida. (...) O bem conhecido conceito, segundo o qual tudo aquilo que parece real não o é, e tudo aquilo que não parece real é real. Deste conceito deriva a desvalorização completa da vida como coisa absurda e dolorosa, e a convicção de que o homem não deve agir para melhorar o mundo.”
"Também voltarei a ver este camponês (...), centenas de vezes, durante a viagem pela Índia; variará, mas pouco, a cor do turbante ou o tecido do pano, porém a sua expressão será sempre aquela, um misto de paciente resignação, de imperturbável ignorância e de ancestral melancolia.”
“(…) na Índia a mão que se estende para implorar caridade é idêntica à mão que se estende para colher um fruto que pende de um ramo e não pertence a ninguém”; (…) na origem daquele gesto encontra-se uma situação normal e geral de pobreza extrema, que muitas vezes acumula com um ofício exercido com competência e assiduidade. Deste modo, a esmola é quase uma obrigação para quem a dá e quase um direito para quem a pede.”
“O próprio fenómeno da mendicidade levanta a suspeita de que a pobreza na Índia não é um facto contigente e remediável, mas sim um traço constitutivo, de modo que modificá-la ou tentar anulá-la significaria alterar completamente o carácter do povo indiano.”
“(…) as lojas pequeníssimas, transbordantes de mercadorias, estão no alto, no cimo de quatro ou cinco degraus, porque o esgoto a céu aberto e pestilento escorre entre o passeio e as casas; vistas de baixo, com os seus velhos espelhos dourados, os seus tapetes puídos, as suas prateleiras decrépitas e os seus vendedores acocorados no chão, seduzem com a ilusão de hipotéticos produtos inéditos de um artesanato exótico e ingénuo. Mas é uma ilusão que pouco dura; subidos aqueles degraus, encontramo-nos perante os objectos do costume, fabricados em série e ainda por cima de fraca qualidade (…).”
“(…) o estrangeiro sentir-se-á continuamente surpreendido por ver os indianos dedicarem os cuidados mais meticulosos a ablusões e precauções que lhe parecem surpéfluas (…), e por outro lado ficarem completamente indiferentes perante a sordidez e a imundice que são próprias dos bairros mais pobres das suas cidades.”
Texto: Alberto Moravia, Uma Ideia da Índia (ed. Tinta da China)
Fotos: Muhipiti