Para quem acaba de chegar de grandes metrópoles, sujas e barulhentas, como Delhi ou Agra, Khajuraho, com os seus 19 mil habitantes, apresenta-se como uma aldeia de ruas comparativamente vazias de gente, lixo e rebuliço.
Apesar de a paisagem, verdejante e fresca, ser um contraste bem-vindo depois da secura desértica do Rajastão, não foi para apreciar a tranquilidade rural que nos deslocámos ali.
Fomos atraídas pelos templos medievais hindus e jain, famosos pelas suas esculturas eróticas, património mundial da UNESCO.
Chegámos de noite ao complexo ocidental de templos para assistir ao “light and sound show”. Já lá estavam outros turistas, sentados em cadeiras de plástico, num improvisado auditório ao ar livre. A única iluminação era fornecida pela lua envergonhada e o seu humilde séquito de estrelas. As cigarras cantavam baixinho e os turistas murmuravam em reverência ao que apenas se adivinhava à nossa volta, na expectativa de algo grandioso e extraordinário.
Uma música suave brotou da escuridão e sobre ela elevou-se a voz quente, densa e poderosa do actor indiano Amitabh Bachchan:
“This is the spirit of the builders of Khajuraho”
Começava assim o relato da história deste sítio incrível, mas confesso que não prestei muita atenção. Qualquer coisa sobre terem sido construídos entre 950 e 1150 durante a dinastia Chandela e de terem sido descobertos para o mundo por um militar inglês em finais do século XIX.
“Deve estar tudo no Wikipedia”, pensei e deixei-me levar pela música de fundo e pela voz; hipnotizada pela beleza do timbre, pelo ritmo onírico da dicção.
Frágeis luzes verdes e amarelas projectavam-se contra os templos, que áquela distância não eram mais do que monstros de pedra. Na noite de Khajuraho, o esplendor e a magia pertenceram apenas à voz de Bachchan.
Mas, de dia, a luz devolveu o espírito à pedra e foi a vez dos nossos olhos se deslumbrarem.
O meu talento descritivo recua humildemente perante tamanha profusão de beleza.
Por onde começar?
Não há um milímetro de pedra que não tenha sido esculpido com sensibilidade e delicadesa. Deuses dançantes, amantes em êxtase, caravanas de camelos, sodomia e cenas domésticas. Tudo impressiona. Tudo comove!
Os meus olhos não sabiam onde pousar; se nos diáfanos saris, na expressão dos olhares que contam histórias, na extravagância das posições eróticas.
Por fim, cansada de tentar fixar tanto pormenor, sentei-me na escadaria que leva a um dos templos. Era cedo e a maior parte dos visitantes ainda estaria nos hotéis. Os pássaros cantavam, os esquilos saltitavam na relva, uma mulher varria o passeio curvada sobre a pequenez da vassoura.
Deixei o tempo passar, sentindo a poesia que emanava da pedra.
Fotos: Muhipiti. Khajuraho, Índia. Outubro 2010.