terça-feira, 18 de maio de 2010

África Minha

A primeira vez que vi África, como tantas outras terras, foi no cinema. E, como por tantas outras terras, apaixonei-me de imediato!

Muito antes de Meryl Streep e Robert Redford sobrevoarem um lago pintalgado de flamingos cor de rosa, ao som de John Barry, a minha África era a dos anos dourados de Hollywood.
A começar pelo ruidoso leão da MGM (que, ao que parece, era de Dublin!) a cativar-me para um mundo de fantasia em que tudo era perfeito, asseado, glamoroso.
John Wayne caçava rinocerontes sem amarrotar as calças. Ava Gardner chegava ao mato com cinco malas Louis Vuitton, e tomava duche num improvisado chuveiro ao ar livre. Clark Gable jantava de smoking, Grace Kelly passeava-se na selva de lenço Hermés na cabeça e Elsa Martinelli, depois de horas a chocalhar em trilhos poeirentos numa carrinha de caixa aberta, dançava com maasais e tocava piano. E nenhum cabelo saía do lugar e as roupas estavam sempre limpas e engomadas.
Depois havia os animais.... elefantes bebés obedientes como cães, chitas que se deixavam acariciar, jibóias chamadas Joe e uma leoa chamada Elsa.
Material mais do que suficiente para espicaçar a imaginação de uma pré-adolescente, já para não falar nas hipopótamas bailarinas de Disney ou no nosso leão da Estrela. Filmes vistos vezes e vezes sem conta; o fascínio e a credulidade atiçando a expectativa de um dia vir a conhecer aquela terra tão longínqua quanto excitante, cheia de hatari e mogambo.
Quando, finalmente, pus o pé em África, já tinha idade para saber que a vida não é como nos filmes.

Chego apenas com uma mala (quase de cartão) e guarda-roupa by Decathlon. Depois de horas nos assentos do jeep, que fazem inveja a qualquer trampolim, os meus ossos não têm vontade de dançar e as minhas roupas suspiram por um ferro a vapor. E descubro que o pó africano tem uma personalidade própria, que se infiltra nos recantos mais esconsos, das lentes de contacto à cova dos dentes.  Ao segundo dia, as calças têm tanto pó que se seguram sozinhas em pé e, por mais banhos que tome, há sempre uns bocadinhos do trilho que me acompanham, furtivamente, ao jantar.
Porém, o fascínio com que agora observo os animais de tão perto é igual ao que sentia quando via aqueles filmes. Não. É maior, porque agora tem cheiro, tem sabor, tem vida e entranha-se na alma.
Exagero?
Acho que não.
Por muito que eu goste de estar em casa (e gosto muito), não há technicolor que reproduza os tons mesclados de um pôr-do-sol africano; nenhum dolby surround ecoa fielmente o grito de um elefante na savana; a gargalhada de uma hiena. E não há definição suficientemente alta para traduzir a emoção de observar sem obstáculos uma chita a caçar, um leopardo empoleirado numa árvore, uma leoa a dormir com as suas crias, embaladas pela brisa quente, à distância de um toque que sabemos impossível.
E porque, às vezes, a vida imita a arte, também eu tomei duche ao relento, caminhei com maasais e percorri trilhos numa carrinha de caixa aberta.
Mas isso...... são outros filmes!
Fotos: Parques Naturais de Manyara e Serengeti. Tanzania, 2009.

6 comentários:

  1. Magnífico! Deixou-me a sorrir, a sonhar...

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  2. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  3. A escrita fantástica que se consegue num w.c. :)

    Adoro ler-te (e principalmente desvendar-te nas entrelinhas...)!

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  4. As cores, os cheiros, os sons, a luminosidade...sem duvida que não há, nem nenhum blueray que o consiga...e ainda bem!
    São os momentos que ficam gravados apenas na nossa historia de vida.

    É sempre bom ler-te :-)

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  5. Rutix, quase que podias ter nascido em África!

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  6. Adoro ler o k escreves! Quando leio o k escreves imagino-me a viver os acontecimentos da forma como os contas. A tua escrita tem vida, encanto....
    Aguardo um dia conseguir ler um livro teu autografado por ti!

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