Gonçalo Cadilhe publicou, na sua página do Facebook, o seguinte excerto de “Dias em Goa”.
"Será a língua portuguesa a pátria destes goeses? Se não, que outro significado atribuir ao gesto do senhor Miranda, da loja de fotocópias, há uns dias atrás? Quando lhe disse a minha nacionalidade, extraiu um livro de uma gaveta e exibiu-mo como uma bandeira: era o “Memorial do Convento”.
Escrevi o comentário: “A mim, só me saem Cristianos Ronaldos e afins”, pensando no deprimente chorrilho de nomes de jogadores de futebol que oiço sempre que digo que sou portuguesa. ("A minha Pátria é..... Cristiano Ronaldo?!)
Foi então, (bem, alguns dias depois) que me recordei deste episódio, passado numa loja de Stone Town.
Era uma loja pequena, como quase todas na cidade velha. Tinha as paredes forradas de quadros que retratavam, com as cores quentes de África, os seus animais, as suas gentes.
O dono era um jovem africano de ar afável que estava sentado à porta, pregando molduras.
O dono era um jovem africano de ar afável que estava sentado à porta, pregando molduras.
Gostei de um dos quadros expostos e preparei-me para regatear. É um ritual que odeio e para o qual não tenho jeito nenhum. Por sorte, tal não sucede com as minhas amigas que são exímias nesta arte.
Sem apontar, para não demonstrar muito interesse (o que é sempre prejudicial numa negociação), tratei de lhes fazer ver qual o que queria comprar. Em português, naturalmente, para que não me entendesse o jovem.
Sem apontar, para não demonstrar muito interesse (o que é sempre prejudicial numa negociação), tratei de lhes fazer ver qual o que queria comprar. Em português, naturalmente, para que não me entendesse o jovem.
“Quero aquele ali ao fundo.... o terceiro a contar da direita”.
Ao que o dono da loja responde, mal contendo o entusiasmo:
- São portuguesas?!!!! Eu sou de Moçambique!!!
- São portuguesas?!!!! Eu sou de Moçambique!!!
Chamava-se Bernardo. Estava há 8 anos em Zanzibar, mas deixara a sua terra havia muito mais tempo. Para não se esquecer da língua portuguesa, lia e relia o mesmo livro, cujo o título era apropriado: “Muito Longe de Casa”.
Era visível o prazer que sentia em estar a falar connosco na língua que também era a sua.
Conversámos durante bastante tempo e, quando tivemos mesmo de nos ir embora, deixámos-lhe um livro em português, que uma de nós andava a ler. Agradeceu-nos com a promessa de que ensinaria o seu filho de 6 anos a falar a nossa língua.