Dirigi-me ao interior do templo.
No centro do edifício estava o santuário em honra de Karni; uma pequena capela em mármore que abrigava a estátua da deusa, datada do século XV.
Sempre atenta à posição dos ratos, contornei o santuário através de um corredor não muito largo e pouco iluminado. Ao fazê-lo, cruzei-me com uma idosa, curvada sobre um curto cajado, amparada no seu andar cambaleante por duas mulheres mais jovens. Com o tronco praticamente paralelo ao chão, caminhava como que rastejando. Tal como os pequenos deuses a quem, impedida de olhar os céus, oferecia a sua devoção.
Segui-a até à frente do santuário onde já outros fiéis aguardavam: as mulheres de saris coloridos sentadas no chão, os homens de pé, à sua volta. O sacerdote aceitou as oferendas, ateou uma pequena fogueira em frente ao altar e começou a recitar ladainhas, enquanto fazia soar um estridente sino de prata.
Absorta nesta contemplação, comecei a baixar a guarda. Esqueci-me de onde estava e de quem devia vigiar. Algo roçou o meu pé. Um rato mais atrevido acabara de lhe passar por cima. O meu coração começou a bater com mais força. Enojado, assustado, excitado.
Apressei o passo para contar a Muhipiti, mas ela já estava na fase seguinte. Fui dar com a minha amiga inclinada sobre um ratinho ... fazendo-lhe festas na cabeça.
Festas na cabeça.... !!!!!
Do rato ... !!!!!!
- Francamente! E se ele te morde?!
Ela riu-se sem deixar de afagar o ratito e disse, tranquila:
- Nã...
Face à sua descontracção, não quis ficar atrás. Munida de uma coragem que só me visita durante as férias, lá me chego ao pé do ratito que, tenho de admitir, era mesmo patusco. Toco-lhe na cabeça. Primeiro só com a ponta do dedo, a medo. Depois comecei a afagá-lo suavemente. Logo o seu focinho se dirigiu para a minha mão e senti o seu dentinho contra o meu dedo, as cócegas do seu bigode.
E, derreti-me! O encantamento tomou o lugar do nojo e os repelentes roedores transformaram-se em ratinhos adoráveis.
O resto do tempo que passámos no templo foi mágico. Não consegui deixar de fazer festas a todos os ratinhos que via e até achei piada quando um deles me fez um buraquinho na meia de vidro.
A minha perspectiva alterou-se por completo. Entrara num mundo diferente, fora da realidade. Por isso, não foi de estranhar que quando um simpático ratinho se empoleirou num degrau e começou a puxar as calças cor-de-rosa da Muhipiti, eu imediatamente pensasse nas ratinhas costureiras do filme Cinderela.
Foi dos momentos mais recompensadores desta viagem, a manhã que passei no templo onde 20,000 mil ratos são alimentados, protegidos e venerados.
Fotos: Muhipiti. Karni Mata, Índia. Novembro. 2010.