sábado, 24 de setembro de 2011

O templo encantado de Karni Mata (ii) Descalças no templo

Seria impensável passar por Bikaner sem visitar este templo.
A ideia atraía-me tanto quanto me assustava. Ratos? Hyagh! Que nojo!!


Mesmo assim, lá fomos. A Muhipiti, que é pouco dada a estes melindres, entrou confiante e ansiosa por fotografar. Eu segui-a, com passos hesitantes, agarrando a mochila à minha frente, como se fosse um escudo.


Para lá das grandiosas portas de prata, vi o primeiro rato. Era pequeno e rechonchudo. Atravessou o pátio a correr, parou por uns instantes a cheirar o ar e desapareceu por um buraco na parede. Respirei fundo, agarrei-me com mais força à mochila e avancei.
O ar morno da manhã não era pestilento, como seria de esperar. Antes trazia emprestado o aroma de chamuças e caril que exalava das casas vizinhas.
Havia uma rede a cobrir todo o pátio exterior com o intuito de proteger os ratos dos ataques de aves de rapina. Já aos pombos não era vedado o acesso. Entravam pela porta principal, altivos e com o papo inchado de quem tem direito a partilhar do manjar dos deuses. 
Por entre a malha metálica, o sol esgueirava finos raios, aquecendo o chão que os meus pés, descalços, iam tacteando com cuidado. Não me preocupavam os grãozinhos de milho esquecidos aqui e ali, mas uma frase que lera no meu American Express: quem pisar um rato tem de pagar ao templo o peso dele em ouro. Não sei qual das duas acções seria a mais desagradável...
Por seu lado, Muhipiti passeava-se descontraidamente, fotografava as esculturas embutidas nas paredes de mármore e os ratos, por ali espalhados agora às centenas, dedicando-se às mais diversas actividades, desde a higiene pessoal à catação social.


Num recanto do pátio encontrei a imagem que já tantas vezes vira na internet: dezenas de ratos dispostos lado a lado no rebordo de uma grande bacia cheia de leite. Confesso que comecei a sentir uma certa ternura por aquelas criaturinhas, à medida que as observava a beber sofregamente. Dei por mim a pensar que estava diante de mais uma contradição indiana: enquanto crianças morriam de fome nas ruas, estes ratos eram mimados e alimentados como reis.

Foi então que um restolhar de asas me sobressaltou. Um pombo viera aterrar mesmo ao meu lado, para me libertar de tão vãs filosofias.


... continua ...

Fotos: Muhipiti. Templo de Karni Mata, Índia. Novembro 2010.

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