domingo, 18 de outubro de 2009

Michael Palin, Dr. House e o Dalai Lama

18 de Outubro de 2007 – Aeroporto de Gonggar, Tibete (II) Uma a uma, a bagagem de mão é aberta e inspeccionada. Não se trocam palavras, apenas gestos mecânicos. Calha-me o oficial mais jovem. Observo-o e pergunto-me se terá família, se alguma vez sorri. Da minha mochila retira um livro. "The Gun Seller, by Hugh Laurie", é o romance policial que trouxe para servir de contraponto a toda a espiritualidade que espero encontrar no Tibete. Na capa está desenhada uma pistola acabada de disparar, com o fumo ainda a sair do cano. O rosto do jovem trai uma emoção. Acho que não teria ficado mais assustado se tivesse encontrado uma arma verdadeira!
De repente, tudo pára no aeroporto. Atrás de mim, uma jovem americana solta um sonoro “Oh, my god!”. Com um gesto que não admite recusa, o oficial manda-me colocar a mala grande em cima do palanque e abri-la. O seu conteúdo é esvaziado, observado e descartado no chão do aeroporto, desde os chinelos de quarto à roupa interior. É então que um embrulho em plástico preto é retirado da mala. “Ai, agora!” exclama Mara, ecoando a minha preocupação. São as compras que fiz no Thamel de Kathmandu: dez DVDs piratas e um livro, ainda por abrir. Os filmes são fiscalizados com desdém, mas o livro merece uma atenção especial. Na capa lê-se “Himalaya, by Michael Palin”.
Mais um gesto e o livro é levado para outra sala. Espero, impotente. Mal consigo conter as lágrimas e a raiva, que tento esconder dos guardas que se juntaram à minha volta. As minhas amigas, longe de mim, à distância de um murmúrio, fazem-me chegar palavras de conforto: “Vá, tem calma!” - “Pensa no que nos vamos rir, quando contarmos isto lá em casa!..." Uma mulher polícia regressa, enfim, com o meu livro aberto nas mãos. Para minha surpresa, aponta para a foto do Dalai Lama, no seu exílio na India. A página é rasgada, perante a minha indignação silenciosa. Já mais tarde, no hotel, folheio, pela primeira vez, o livro que nos confrontou, à chegada, com a dura realidade da ocupação chinesa. E, só então, reparo numa outra foto do líder espiritual tibetano, que escapara à furiosa censura dos guardas. É impossível não nos sentirmos impotentes face à arrogância da China todo-poderosa. Mas consigo sorrir, ao pensar naquela foto proibida do Dalai Lama, que durante uma semana viajou comigo, clandestina, no que resta do Tibete.
Fotos: WorldWideWeb

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