quarta-feira, 28 de abril de 2010

Viajar

"Costumo responder, normalmente, a quem me pergunta a razão das minhas viagens: que sei muito bem daquilo que fujo, e não aquilo que procuro."
Michel de Montaigne

Foto: Mlee ou RFerreira

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Call me Mr. Cheap!

A caminho do Lago Manyara paramos no povoado de Mto-wa-Mbu, para verificarmos o estado dos pneus. A rua principal é larga e flanqueada de fundas valetas, para lá das quais há vida, movimento e animação: homens que bebem cerveja de banana à porta de barracas , maasais que passam, enfeitados dos pés ao pescoço, e bancas onde se vendem frutas aromáticas e cangas coloridas.
Mto-wa-Mbu significa “rio dos mosquitos” na língua suahili.
Não vemos nem rio, nem mosquitos, mas somos confrontadas com um enxame de vendedores ambulantes que lutam entre si pela nossa atenção, gritando: “Buy from me! Support me, I’m bankrupt!”…
Apenas um resiste ao nosso desinteresse. É obvio que já não pretende vender, mas sim conversar.
- Call me Mr. Cheap, diz ele num tom de voz arrastado que me faz pensar que esteve a beber.
Bombardeia-me com perguntas sobre Portugal e o resto da Europa. Diz que já esteve em Paris, com a namorada que é  francesa, branca e tem 23 anos, mas ... é gorda, confessa, encolhendo os ombros.
É ela quem lhe paga os estudos. Já me apercebi de que estas histórias não são raras por estas bandas, mas Mr. Cheap não me quer explicar como se conheceram nem o motivo porque é a namorada que o sustenta. Em vez disso, conta-me que o irmão estuda no Michigan. É obvio que o admira, mas não quer ir ter com ele aos Estados Unidos. Prefere ir morar para a Hungria.... 
Estou perplexa, mas o meu jovem interlocutor não me dá tempo para pensar.
Pergunta-me quantas línguas falo e trocamos algumas palavras soltas em alemão e francês. Quando lhe falo em português, reconhece termos do espanhol e fica muito orgulhoso.
- I can talk to you. You teach me things...
Não percebo se o cumprimento é sincero ou se Mr. Cheap está à procura de outra patrocinadora, mas não resisto em continuar a conversa.

Ainda descubro que tem 17 anos e que o pai é guerreiro maasai, antes de ele virar o feitiço e tomar conta da conversa. É de uma astúcia irritante e parece saber sempre quando estou a mentir:
- What is your profession?
- I don’t have a job.
- Then how can you travel?…
De facto….
- How many children?
- None.
- You don’t have a husband?!!!
Credo!!... Parece o meu pai....
Recomponho-me e tento ser engraçada:
- I am waiting for a rich man to support me, so I don’t have to work …
Acho que não percebeu a brincadeira, mas sinto que subi na sua consideração. No meio de tanta pobreza, o viver de expedientes é comum e até apreciado.
Pergunta-me a idade. Minto de novo...
- 42.
- You seem 35!
Ufa.... vá lá! - penso, mas não perco pela demora:
- In Tanzania, you should have 3 daughters by now...
E termina, em jeito de consolo:
- But I like you!
Fotos: MLee e RFerreira

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Era uma vez ... em Stone Town

Era uma vez um menino que nasceu em Stone Town, chamado Farrokh Bulsara.
Era uma vez um menino que na Índia descobriu que tinha um dom musical.
Era uma vez um rapaz que em Inglaterra subiu ao trono da música.
Era uma vez um homem que amou de mais e, por isso, morreu ... cedo de mais.

Era uma vez uma menina que se deixou encantar pela música que ele criou.

Era uma vez uma mulher que viajou até Zanzibar e descobriu a casa onde ele nasceu, a escassos metros do mar.
Era uma vez uma mulher que adivinhou os traços desse menino nos rostos das crianças que correm por entre as ruelas estreitas da parte antiga da cidade.
Era uma vez uma mulher que ouviu, com os ouvidos da imaginação, o restolhar do mar turquesa nas areias farinhentas de Zanzibar, as cítaras que ecoam nos templos hindus e o chamamentos dos muezins, na música de Freddie Mercury.
Era uma vez ....

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Sunset


"Na África Oriental, o pôr do Sol é de cortar a respiração, mas é tão rápido que parece que alguém pôs o DVD em rotação acelerada: o Sol desce sobre a poeira levantada pelo dia, lá no alto as nuvens resplandecem e todo o céu do ocidente se transforma num dossel de um cor-de-rosa quente como ouro derretido, com franjas cor de laranja e azul-arroexeado [...].
Só se conseguem contemplar parcelas do pôr-do-sol, porque o todo é amplo de mais. Mas esta magia encanta um par de minutos, e o melhor dura apenas alguns segundos, antes de se instalar a escuridão."
Texto - Paul Theroux, Dark Star Safari
Photo - R.Ferreira e M.Lee
Kimzikazi, Zanzibar

terça-feira, 6 de abril de 2010

A chita que excita!

Percorrendo os céus num balão de ar quente sobre a vasta planície do Serengeti. O sol mal nasceu e a atmosfera é mágica.
Lá em baixo, no capim, algo se move.
Uma chita persegue uma gazela Thompson, perante a excitação dos 16 passageiros do balão, que mal conseguem acreditar no espectáculo que lhes é dado presenciar. Uns incentivam a chita; outros temem pela gazela. A perseguição dura poucos segundos. O salto e a captura, menos ainda. A pobre gazela não teve a mínima hipótese.... ou teve....
Antes mesmo de a chita ter tempo de dizer "bon appetit", já miss Thompson se libertava dos seus dentes afiados. Sob o nosso olhar atónito (imagino o da chita!), a gazela dá dois passos cambaleantes, e afasta-se, sem pressas. Sabe que o felino já não tem fôlego para segui-la.
National Geographic, roi-te de inveja!!
Serengeti Balloon Safari, 24 de Setembro de 2009 Fotos: MLee

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Encontro com hora marcada

12h30. Cratera de Ngorongoro, Tanzania.
Depois de uma manhã passeando de jeep pelas estradas poeirentas do vulcão estinto, impressionadas com a grande concentração de animais que encontrámos neste espaço de 20 Km2, estamos, agora, prontas para ver o rinoceronte. O mais esquivo dos Big Five. Estima-se que a população de rinocerontes na cratera seja de 20 animais. Junte-se a isso a timidez natural da espécie e não é de estranhar que a maioria dos turistas que por aqui passa, parta sem os ver, ou se tenha de contentar com um vislumbre à distância.
Daqui a duas horas termina a nossa autorização de permanência e já estamos a perder a esperança. Não quero desanimar. Entro no carro e pergunto ao guia se é agora que vamos ver o rinoceronte. Luca sorri. Há 21 anos que aqui trabalha e já está habituado a esta obsessão pelo rino.
Insisto, na brincadeira:
- We would like to see the Rhino now, Luca. At 13h15, please.
Ri-se, mas diz, sem grande convicção:
 - We will try.
Seguimos viagem e deixamo-nos embalar pelos sulavancos do jeep nos trilhos tortuosos. A savana despida tem as cores castanhas da estação seca. O lago alcalino está salpicado de flamingos cor-de-rosa e nos pastos verdejantes que rodeiam a piscina dos hipopótamos, centenas de zebras e gnus pastam tranquilamente. A diversidade fica completa na pequena floresta de vegetação semi-tropical. Está um calor agradável e a beleza que nos rodeia compensa qualquer falha na contabilidade dos Big Five.
- Rhino!, sussurra Luca, de repente.
Esticamos o olhar para o horizonte e apuramos a visão.
Mas, não é preciso. Ele está aqui; à nossa frente: grande, imponente, colossal! Cruza o trilho, a não mais de 30 metros. Pára por uns instantes e afasta-se, olhando constantemente para trás, certificando-se de que não é seguido.
O relógio do jeep marca 13h20...
Foto: MLee